Pelotas/RS – O ano era 1988. Enquanto na Maternidade da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas os médicos cuidavam do parto dos gêmeos Robson e Luana, em outro quarto do hospital Nilo Schiavon estava sob observação, longe da família. Não era a emoção pelo nascimento dos primeiros filhos com Márcia que o impedia de ver e pegar logo os bebês no colo. Eram os agrotóxicos. Criado em uma família de produtores rurais e hoje com 53 anos, o agricultor ficou internado por conta do contato diário com produtos químicos que usava no plantio de pêssego, milho e feijão na propriedade da Colônia São Manoel, 8º Distrito de Pelotas.
Não participar do nascimento dos filhos foi o que define como “um estalo para mudar de vida”. Não abandonou o campo. Deixou de usar produtos químicos e iniciou a transição da agricultura convencional para a agroecológica. Deu tão certo que hoje é presidente da Associação Regional dos Produtores Agroecologistas da Região Sul (Arpasul), entidade que reúne 23 famílias que trabalham exclusivamente com o plantio e a comercialização de alimentos orgânicos e foi premiada pela Assembleia Legislativa com o Prêmio Folha Verde, concedido a iniciativas que se destacam no agronegócio gaúcho. E nunca mais passou mal como daquela vez.
Assim como Schiavon, a cada ano que passa a agroecologia se torna mais presente e importante na Zona Sul. Atualmente são 139 agricultores certificados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) na região habilitados a vender produtos com selo de alimentos orgânicos.
“Somente aqui em Pelotas são mais de 60 variedades consumidas durante todo o ano nos 12 pontos espalhados pela cidade. Isso faz da cidade, sem dúvidas, um polo desse modelo produtivo”, afirma o engenheiro agrônomo especialista em Agroecologia Ernesto Martinez, que há 14 anos atua no Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa). Batata-inglesa, batata-doce, mandioca, pimentão, tomate, verduras, morango, ameixa, laranja e pêssego são apenas alguns exemplos do que se cultiva sem fungicidas, herbicidas, inseticidas ou pesticidas sintéticos.
Desde a primeira feira exclusivamente com produtos orgânicos, há 25 anos, e que se mantém até hoje aos sábados pela manhã na avenida Dom Joaquim, Martinez conta que o número de agricultores a abandonar o uso de agrotóxicos e migrar para o método que produz através do equilíbrio ambiental e da preservação das características naturais dos alimentos só aumenta. “Os vizinhos acabam se interessando e entrando para alguma cooperativa. E não é à toa. Nas feiras vimos o interesse das pessoas. Sempre há demanda. Se as lonas fossem comestíveis, também não sobrariam no final”, brinca.
Irani Garcia, 58, é uma consumidora recente de orgânicos. Todas as terças-feiras vai até o prédio do Capa – na rua Barão de Santa Tecla, 510 -, onde também funciona a feira da Cooperativa Sul Ecológica, e faz as compras da semana. A rotina já tem pouco mais de um ano e será levada para a vida toda, garante. “Não custa mais caro. E ainda por cima não tem veneno e compensa muito para a saúde. Desde que passei a consumir estes alimentos as visitas à farmácia diminuíram bastante”, conta a moradora do Fragata.
Trabalho que inspira
É uma pequena propriedade rural, mas também pode ser definida como uma grande sala de aula a céu aberto. Na propriedade com 24 hectares da família Scheer, estudantes de Agronomia e cursos de pós-graduação ligados à área encontram o cenário perfeito para ver na prática o que ouvem dos professores na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mas não só isso. A cada visita, os alunos mergulham no dia a dia da produção agroecológica.
“No campo percebemos a realidade do agricultor, suas dificuldades, limitações. E vemos todo o esforço necessário para que se tenha um alimento mais saudável”, diz Gabriele Rampi, 26. Concluindo o curso de Agronomia em Lages, em Santa Catarina, optou por fazer o estágio final em Pelotas justamente por ter na UFPel e na cidade referência no trabalho com produção ecológica. No dia em que a reportagem acompanhou a atividade, ela e outros 12 colegas capinaram, limparam hortas e colheram morangos, amoras e tomates.
Dona da propriedade, Marcia Scheer, 44, não esconde a satisfação de servir de inspiração e, até, “dar umas aulas” aos mais jovens, após 16 anos de migração para a agroecologia. Com o apoio do filho Gustavo, 17, e do marido Marcos, 44, cuida de todo o processo de plantio, cultivo, colheita e venda da produção. E financeiramente, é um bom negócio? “É viável. Mas se alguém pensa em entrar para esse ramo só pelo dinheiro, está errado. Para se manter é preciso gostar do que faz, amar a natureza e saber se doar pelo outro. Nenhuma família trabalha sozinha, são todas parceiras. Trabalhar com agroecologia foi o melhor que fiz na vida.”
Mais consumidores, mais empregos
Primeira mulher a assumir a presidência da Sul Ecológica, Marigaiane Medeiros, 27, representa a renovação e o otimismo entre quem trabalha com orgânicos. Dividida entre a gestão da cooperativa e o cuidado com duas filhas pequenas, coloca na ponta do lápis o que é possível notar no movimento das feiras e no aumento de pedidos que recebe. Enquanto há três anos as vendas não passavam de R$ 800 mil, em 2016 o fechamento apontou o dobro: R$ 1,6 milhão. “Este ano, até junho, já alcançamos R$ 1,2 milhão. Certamente chegaremos ao fim de 2017 superando o ano passado e só tende a aumentar no futuro”, anima-se.
E os bons resultados da cooperativa são gerais. Segundo Ernesto Martinez, praticamente 70% das vendas de orgânicos são para a merenda escolar na região e para abastecer o Restaurante Universitário da UFPel, onde todo o arroz branco, integral, feijão preto e hortaliças são de pequenas propriedades com base agroecológica. “Isso se reflete em empregos também. Para cada produtor credenciado podemos contabilizar, entre a família e outros contratados indiretamente, pelo menos mais sete pessoas”, detalha. Ou seja, são cerca de mil trabalhadores vivendo da produção orgânica. E colocando saúde na mesa de milhares de outras famílias.
Inspirado pelo trabalho dos precursores da agroecologia, Ernani Ucker, 38, trocou a lavoura de soja e seus agrotóxicos pela plantação de hortaliças na Colônia Osório, 3º Distrito. E não se arrepende. Hoje ele, a esposa e as três filhas de um, quatro e seis anos resumem o que conquistaram produzindo alimentos para milhares de consumidores. “Qualidade de vida. Isso que ganhamos e produzimos.”
Como ser um produtor certificado
Para vender alimentos com o selo de certificação orgânica, o agricultor deve fazer parte de uma cooperativa ou associação ou contratar uma auditoria para realizar uma vistoria na propriedade. É necessário seguir normas de transição do método convencional para o agroecológico, com estabilização do solo, eliminação de resíduos de plantações anteriores e ter garantia de não receber água contaminada de locais mais altos. É recomendado isolamento do local através de cortinas verdes para evitar influência de lavouras do entorno que utilizem agrotóxicos.
A partir disso, a cooperativa, a associação ou a auditoria analisa a documentação do produtor e encaminha à Comissão de Produção Orgânica (CPOrg) do Mapa, a quem caberá fazer o credenciamento e autorizar o uso do selo de produto orgânico.
São três organizações agroecológicas na região
- Cooperativa Sul Ecológica
- União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu
- Associação Regional dos Produtores Agroecologistas da Região Sul (Arpasul)
Onde comprar ou consumir alimentos orgânicos em Pelotas
Restaurante Teia Ecológica
Praça Coronel Pedro Osório, 63 – Centro
Restaurante Libre Café
Praça Coronel Pedro Osório, 61 – Centro
Armazém Taba Ecológica
Rua Padre Anchieta, 1592 – Centro
Eco Restaurante Ecológico
Rua Gonçalves Chaves, 708 – Centro
Cooperativa Sul Ecológica
Rua Barão de Santa Tecla, 510 – Centro / Mercado Público, Banca 74
Feira Ecológica Arpasul
Av. Dom Joaquim, esquina Av. República do Líbano
Av. Bento Gonçalves, entre Barroso e Alberto Rosa
Av. Duque de Caxias, em frente à Igreja São José
Feira Ecológica do Fórum
Av. Ferreira Viana, 1134 – Areal
Feira Ecológica do Entardecer
Marcado Público, Banca 74 – Centro
Santa Feira
Rua Barra do Ribeiro, 675 – Laranjal
- 139 produtores agroecológicos na Zona Sul nos municípios de Pelotas, Arroio do Padre, São Lourenço do Sul, Piratini, Pelotas, Herval, Canguçu, Morro Redondo e Turuçu
- Existem 1.952 agricultores em todo o RS com certificação de produção orgânica.
- No Brasil, são 17.168 produtores de orgânicos em áreas que equivalem a 1 milhão de hectares
- R$ 3 bilhões foi o faturamento do mercado de produtos orgânicos no Brasil em 2016
- 30% de crescimento médio no consumo de alimentos agroecológicos por ano no Brasil
- 130 mil toneladas de agrotóxicos são aplicados em plantações no país todos os anos, sendo o líder mundial no uso
Dados: CAPA e Orgânicos Brasil
Texto: Vinícius Peraça/Diário Popular