Belo Horizonte/MG – Integrantes das equipes da FLD-COMIN-CAPA (Fundação Luterana de Diaconia-Conselho de Missão entre Povos Indígenas-Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia) participaram do IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado de 31 de maio a 3 de junho, em Belo Horizonte (MG), junto com representações de comunidades quilombolas, de comunidades indígenas e da agricultura familiar.
De comunidades quilombolas estiveram Juliana Soares, de Coxilha Negra, de São Lourenço do Sul, e Amilton Cesar Camargo, do Corredor dos Munhós, de Lavras do Sul, no RS. Amilton foi representando o Comitê de Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, e falou na Plenária Biodiversidade, Bem Comum e Soberania Alimentar dos Povos do Brasil, onde também apresentou a publicação Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa.
Da Terra Indígena Igarapé Lourdes, de Ji-Paraná (RO), foram Rosimar Karo Arara, Luiza Karo Arara, Alzira Karo Arara e o cacique Firmino Karo Arara. Na Plenária Agroecologia e Sistema Alimentar, as mulheres apresentaram a publicação Alimentação Karo Arara: Saberes e Práticas Karo ar Wirikanã: mabexépkanã, produzido por mulheres da comunidade, pelo COMIN e pela Universidade Federal de Rondônia (UFR), com apoio de Pão Para o Mundo – Áustria.
Como representação da agricultura familiar ecológica e assentamentos da reforma agrária, estiveram no encontro Andréia Normberg, Bruna Richter, Daniel Silveira, Diogo Teixeira, este representando a Rede Ecovida, Eloir de Paula, Ginésio Berns, que também representou a Rede Ecovida, Helen Rothbarth Pereira, Marina Müller e Rosivaldo Dias.
O encontro foi encerrado no domingo, com ato e passeata no centro de Belo Horizonte. Dez mil pessoas ocuparam as ruas da capital mineira em defesa da democracia, da agroecologia e contra os retrocessos e perdas de direitos. O ato foi uma iniciativa unificada do ENA, do 11º Congresso do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sindiuti/MG) e do coletivo Quem Luta Educa.
Documento Final do IV Encontro Nacional de Agroecologia (o texto completo pode ser lido aqui)
“Essa trajetória virtuosa marcada por conquistas, mas também por profundas contradições, sofreu uma ruptura com o golpe parlamentar-jurídico-midiático que destituiu em 2016 o governo eleito com mais de 54 milhões de votos. Após o golpe, assistimos ao mais poderoso cerco contra conquistas democráticas desde o Golpe Civil-Militar de 1964. No plano institucional, o efeito imediato dessa ruptura perpetrada por forças usurpadoras da democracia foi o desmonte sistemático de políticas públicas duramente conquistadas pela sociedade brasileira nos últimos 30 anos, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Com o golpe, os impactos do desmonte neoliberal sobre o Estado Democrático de Direito são sentidos de forma cada vez mais aguda em nossas comunidades e territórios. O recrudescimento da violência no campo apresenta-se como a mais cruel e dolorosa evidência dessa realidade. O número de assassinatos de companheiros e companheiras, trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra, indígenas, quilombolas, posseiros, pescadores, assentados, dentre outros, cresceu bruscamente a partir de 2015. Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra, somente em 2017, foram 71 assassinatos, mais que o dobro que em 2013, o maior número desde 2003. Os números relacionados à violência contra as mulheres, LGBTs e jovens negros das periferias urbanas também se multiplicam. Assistimos a manifestações explícitas de machismo e de racismo e de tantos outros preconceitos. O flagelo da fome volta às manchetes. O número de desempregados e de desalentados não para de subir. Ondas de conservadorismo se disseminam na sociedade impulsionadas por uma mídia que desinforma, despolitiza e estimula a intolerância.
O IV ENA foi convocado e organizado nesse contexto crítico da vida nacional. Enfrentamos sérias dificuldades para viabilizar materialmente o nosso Encontro e o seu processo preparatório. Mas sabíamos da importância de nos superarmos para viabilizá-lo. Essa superação veio da capacidade de mobilização das energias militantes alimentadas em nossas lutas cotidianas pela agroecologia e pela construção da democracia, nas florestas, nas águas, no campo e na cidade. Veio do espírito combativo de cada pessoa e organização que, de forma criativa e cooperativa, contribuiu para a construção e realização do Encontro.
Esse espírito foi colocado à prova na semana que precedeu o IV ENA, quando o país praticamente parou pela interrupção do fornecimento de combustíveis em razão do movimento de paralização dos caminhoneiros. Entre os muitos aspectos revelados por este episódio, um foi destaque no IV ENA: a vulnerabilidade e a insustentabilidade do sistema de produção e abastecimento alimentar imposto por um punhado de corporações empresariais. A natureza anti-popular e anti-ecológica do modelo que desconecta a produção do consumo alimentar e o campo da cidade foi exposta pela crise de desabastecimento gerada em poucos dias de paralização. Um sistema de distribuição que depende do transporte a grandes distâncias e do consumo voraz de combustíveis fósseis, fazendo com que os territórios importem cada vez mais o que consomem e exportem cada vez mais o que produzem. As vozes dos territórios ouvidas em nosso Encontro mostraram como a agroecologia vem sendo construída em todas as regiões do país, em formas de resistência criativa colocadas em prática pelas nossas organizações e redes, e se constitui como uma alternativa a esse sistema homogeneizador e autoritário. Além de contribuir diretamente para o alcance da soberania da segurança alimentar e nutricional do povo, elas mostraram como as redes territoriais de agroecologia são decisivas na construção da sociedade justa, igualitária e sustentável pela qual lutamos. Ao mesmo tempo, essas vozes denunciaram o golpe e o processo de desconstrução de direitos em curso.
O IV ENA foi uma demonstração inequívoca do crescimento do movimento agroecológico no Brasil. Antes de tudo, esse crescimento é uma conquista das lutas populares pela democratização do Estado e da sociedade brasileira. Nosso Encontro mostrou a força da luta das mulheres contra o patriarcado e o machismo. Sob o lema “Sem feminismo não há agroecologia”, na luta contra a invisibilidade e a violência, as mulheres vêm conquistando seus espaços de direito, fazendo suas vozes e anseios ecoarem cada vez mais alto, elevando o movimento agroecológico a um novo patamar na luta pela democracia. Com firmeza, as mulheres negras afirmaram o quanto ainda é mais cruel a violência sofrida por elas e apontam a urgente necessidade de que o movimento agroecológico levante a bandeira “Se tem racismo não há agroecologia”. As juventudes presentes deixaram evidente que a agroecologia é uma utopia real: com suas próprias experiências e manifestações, que expressam coerência entre o discurso e a prática agroecológica, apontaram caminhos para o rejuvenescimento das agriculturas e dos sistemas agroalimentares, respeitando as diversidades de meios e modos de vida. As juventudes se posicionaram também na defesa da diversidade das orientações sexuais ao afirmarem que “Com LGBTfobia não há agroecologia”.