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Oficinas no oeste do Paraná aproximam escolas da história e da realidade do povo Avá Guarani, fortalecendo o enfrentamento ao racismo

                 

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Oficinas no oeste do Paraná aproximam escolas da história e da realidade do povo Avá Guarani, fortalecendo o enfrentamento ao racismo
4 de setembro de 2025 Ana Paula

Municípios de Guaíra e Terra Roxa recebem formações em Educação Antirracista do projeto OPANÁ

Por Assessoria de Comunicação FLD

Fotos: Ana Paula Soukef e Fábio Conterno

O projeto OPANÁ: Chão Indígena realizou novas formações em Educação Antirracista no oeste do Paraná, desta vez nos municípios de Terra Roxa e Guaíra. No dia 28 de agosto, a atividade aconteceu na Escola Estadual Antônio Carlos Gomes, em Terra Roxa, reunindo cerca de 20 docentes de diferentes áreas de conhecimento. Já no último dia 2 de setembro, foi a vez de Guaíra receber a primeira oficina, realizada na Escola Presidente Roosevelt, com a participação de cerca de 90 alunas e alunos.

As oficinas, conduzidas por Jaqueline de Abreu, assessora de projetos em Educação Antirracista da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), contaram com a presença de lideranças indígenas da Terra Indígena Guasu Guavirá, dentre as quais Nazane Martins, Gilberto Benites e Ronaldo Martines Esquivel. Essas formações integram o eixo de Educação Antirracista do projeto OPANÁ e já foram realizadas também em Santa Helena, Itaipulândia e em municípios do litoral do estado paranaense.

A presença Guarani e os achados arqueológicos

Em Terra Roxa, a oficina foi um espaço de diálogo sobre a presença histórica do povo Guarani na região Oeste. Foi abordada a existência do sítio arqueológico de Ciudad Real del Guairá, um importante espaço de preservação da memória Guarani, localizado em Terra Roxa, onde, em 2018, foram encontradas duas canoas centenárias, que atualmente estão sob a guarda do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE/UFPR), em Curitiba.

Nazane Martins e Gilberto Benites enfatizaram que esses achados são mais do que objetos arqueológicos, pois representam um documento vivo de comprovação da presença indígena no oeste do Paraná. Além do valor histórico, carregam também significado espiritual.

Segundo Gilberto, para as pessoas Guarani, não bastam os cuidados técnicos de conservação com as peças arqueológicas, é fundamental o respeito espiritual. “Quando a canoa foi encontrada, realizamos a cerimônia de batismo. Foi necessário pedir a permissão espiritual dos nossos antepassados para que ela pudesse ser retirada do lugar. Isso é algo essencial para nós, esse respeito”.

Nazane acrescentou que, para o povo Guarani, passado, presente e futuro são dimensões inseparáveis: “Para nós, o nosso passado é também nosso presente e nosso futuro. Essas canoas são um documento oficial do povo Avá Guarani. Elas foram mostradas por Nhanderu Ete a um dos nossos rezadores em um momento em que passávamos por muitas dificuldades, sem direitos garantidos e sofrendo preconceito. Para além da arqueologia, elas têm valor espiritual e são parte da nossa história e resistência.”

Racismo e preconceito

As falas também abordaram os desafios atuais vividos pelas comunidades indígenas. Nazane relatou o racismo cotidiano sofrido pelas comunidades Guarani. “Somos constantemente chamados de paraguaios pelos não indígenas, quando na verdade habitamos essa região muito antes da formação dos países. Para nós não existem fronteiras”, comentou.

Ela destacou ainda os impactos ambientais que atingem diretamente os tekohas, como o plantio de eucaliptos, que tem resultado na seca das nascentes, e o uso intensivo de agrotóxicos em áreas próximas às comunidades. “Mesmo diante de tantas dificuldades, seguimos e seguiremos resistindo”, afirmou.

A assessora Jaqueline reforçou a importância de entender o racismo como um processo histórico complexo. Ela explicou que, se por um lado o preconceito está mais ligado ao desconhecimento e à desinformação, o racismo, por sua vez, nasce de um processo histórico e estrutural, que atravessa as instituições e está presente de diferentes maneiras no cotidiano social, inclusive no cotidiano escolar. Ela relembrou a frase célebre de Angela Davis que afirma que “em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. “Essa frase nos mostra que o antirracismo evoca uma ação, uma prática, convidando a todas e todos não só a refletir, mas agir contra o racismo”, pontuou Jaqueline.

Entre as professoras e os professores presentes, a oficina teve boa repercussão. Wilson Pacheco, professor de História, afirmou que esse tipo de ação é muito relevante. “A discriminação contra os povos indígenas existe e precisa ser combatida. Esse processo deve começar pela escola, para que as pessoas mudem seu modo de pensar. É a primeira vez que participo de uma formação como essa, e considero fundamental. No oeste do Paraná, ainda há muito preconceito”, considerou. 

Oficina em Guaíra

A formação em Guaíra contou com ampla participação do público escolar e foi uma oportunidade para debater não apenas a cultura e a história dos povos indígenas, mas também apresentar o projeto OPANÁ e suas ações em defesa da Educação Antirracista. Durante a oficina, Ronaldo Martines Esquivel, liderança Avá Guarani, destacou que é fundamental compreender as diferenças existentes entre os povos indígenas, pois cada um tem suas próprias tradições, histórias, símbolos e pinturas. 

Ele relembrou que sua trajetória enquanto liderança começou participando de eventos e acompanhando grupos de juventude indígena. Segundo ele, tornar-se liderança não é fácil, é resultado de uma longa caminhada dentro da comunidade. “Há toda uma trajetória para que alguém se torne liderança. Quem é escolhido tem que ter o respeito da sua comunidade. Ser líder não é algo autoritário ou imposto, é trazer o conhecimento, mostrar a realidade para fora, porque conhecendo essa realidade, talvez o olhar externo possa mudar”, contou.

Ronaldo ressaltou ainda que o preconceito segue sendo um dos maiores desafios enfrentados. Ele relatou já ter sido alvo de ataques e ofensas, inclusive em redes sociais, pelo fato de ser indígena. Apesar disso, afirmou que sua missão é seguir mostrando para a sociedade a luta de seu povo. “A gente recebe muito preconceito na cidade, eu já passei por isso. Mas eu estou aqui pra isso, pra poder mostrar pra essa sociedade que a gente existe e resiste.”

Nos próximos meses, tanto Guaíra quanto Terra Roxa receberão novas formações, reforçando o objetivo do projeto OPANÁ: Chão Indígena de contribuir para a superação do racismo e de aproximar as escolas da realidade e da história dos povos indígenas.