DOAR AGORA

Semeando saberes ancestrais: lideranças kilombolas do bioma Pampa realizam intercâmbio no Vale do Ribeira (SP)

Notícias

Semeando saberes ancestrais: lideranças kilombolas do bioma Pampa realizam intercâmbio no Vale do Ribeira (SP)
21 de agosto de 2024 Comunicação FLD
POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA FLD

Entre os dias 15 e 19 de agosto, lideranças de dez comunidades kilombolas das regiões Sul e Central do Rio Grande do Sul vivenciaram a força e a ancestralidade dos territórios kilombolas da região do Vale do Ribeira (SP), no bioma Mata Atlântica. As lideranças são de comunidades kilombolas das cidades de Canguçu, Cristal, Pelotas, São José do Norte, São Lourenço do Sul e Rio Pardo. Participaram também do intercâmbio pessoas da equipe da Fundação Luterana de Diaconia (FLD).

O grupo ficou hospedado no Kilombo Galvão, localizado entre os municípios de Eldorado e Iporanga (SP), e visitou as comunidades kilombolas do entorno, conhecendo seus territórios, histórias, organização política e gestão. Também participou da Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, na cidade de Eldorado.

“Foi uma experiência incrível porque foi minha primeira viagem pra fora do Rio Grande do Sul, conhecendo outros biomas, outras pessoas, outros costumes e, principalmente, outros kilombolas, assim como a gente”, ressaltou Itauane de Lima de Quevedo, do Kilombo Monjolo, de São Lourenço do Sul. A jovem destacou a recepção da comunidade com o grupo e todo o conhecimento adquirido durante os dias de intercâmbio. “Vou voltar com uma bagagem pro Rio Grande do Sul bem cheia de conhecimento”.

Para Carmem Lucia dos Santos, do Kilombo Maçambique, de Canguçu, a troca de sabedoria foi o mais importante do intercâmbio. “Aquela sabedoria que a gente tem lá, a gente trouxe pra eles. E aprendemos muito com eles sobre todas as práticas que eles fazem, os manejos, os plantios, sobre a trajetória do kilombo, como conseguiram chegar até aqui, como conseguiram desenvolver o kilombo. Agora eu pretendo levar a sabedoria que eu aprendi aqui”, afirmou.

Entre as diversas formas de agradecimento pelas trocas e saberes ancestrais compartilhados, o grupo de lideranças da região Sul plantou, no Kilombo Galvão, uma muda de pinheiro-manso, espécie levada por Jerri Eliano de Quevedo, do Kilombo Monjolo. “Não existe história do Brasil sem preto. E eu tenho certeza que a África está feliz com a gente e com esse momento de vivência, e tenho certeza que as lideranças que se foram estão vibrando e comemorando esse encontro em todos os cantos, batendo palmas, dançando, gingando e a gente faz parte dessa festa”, comemorou Misael Henrique Rodrigues dos Santos, vice-coordenador do Kilombo Galvão e monitor de turismo da comunidade.

O intercâmbio de lideranças kilombolas faz parte das ações do projeto Justiça Racial e Educação Antirracista no Bioma Pampa, desenvolvido pela FLD por meio do Programa CAPA, financiado pela Igreja Evangélica Luterana na América (ELCA).

Pinheiro-manso vindo do Kilombo Monjolo (RS) para ser plantado no Kilombo Galvão (SP). Foto: Daniela Huberty/FLD

Presença kilombola no Vale do Ribeira

O Vale do Ribeira é formado por um conjunto de mais de 60 comunidades negras rurais e guarda um importante corredor biológico formado pela maior área remanescente de Mata Atlântica do Brasil. A região é considerada, desde 1999, como Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e possui uma enorme diversidade cultural.

A comunidade do Kilombo Galvão, onde as lideranças ficaram hospedadas, tem cerca de 140 pessoas, distribuídas em 30 famílias. Seu território foi formado pelas ocupações estabelecidas com base nas relações de parentesco iniciadas por Bernardo Furquim, que chegou à região possivelmente em 1833 e encontrou outras pessoas que também haviam escapado da escravização, e seguida por suas e seus descendentes. O kilombo foi reconhecido em 1999 e, em 2007, parte do seu território foi titulado.

Com o apoio de Misael, as lideranças conheceram o território do kilombo, suas matas e rios, algumas tradições ancestrais da região, aprenderam sobre a autogestão da comunidade e puderam fazer trocas com suas pessoas, entre elas as matriarcas Arminda, Doraci e Jovida que, em um final de tarde, contaram suas histórias pessoais e de luta pela terra. “Se a gente não busca sentar com os mais velhos, a gente pode ter certeza que acaba meio que apagando um pouco da nossa história, porque são as pessoas que detêm todo esse ouro. É como a gente se constrói enquanto juventude”, disse Misael.

As lideranças que participaram do intercâmbio também conheceram as comunidades do Kilombo São Pedro e Kilombo Ivaporunduva. Neste último, foi realizada uma visita com dona Maria Zélia e seu Benedito, monitora e monitor ambiental da comunidade, respectivamente. O Kilombo Ivaporunduva foi a primeira comunidade kilombola titulada no estado de São Paulo e hoje é composto por 121 famílias e 500 pessoas. Trabalha fortemente com o turismo etnocultural e produção orgânica de banana, além de outras culturas. 

Em roda, em um dos espaços da associação da comunidade, que já completou 30 anos de atuação, as lideranças da região Sul ouviram seu Benedito contar a história da comunidade e da organização, a incidência política feita para defesa de seus direitos, como vivem em coletividade e o incentivo, principalmente nos últimos anos, à juventude kilombola. Depois, puderam ver o artesanato feito por pessoas do kilombo e andaram pela comunidade para conhecer a plantação de banana e saber mais sobre o começo do plantio e sua certificação.

Manejo tradicional e ancestral

As lideranças que participaram do intercâmbio conheceram o trabalho de agricultura kilombola praticado pelas comunidades da região. A agricultura está apoiada no saber ancestral kilombola, marcada pela profunda relação e conhecimento sobre a natureza e a lida na terra. O grupo aprendeu como é feito o plantio e o manejo de banana e pupunha, além de conhecer as hortas das famílias do Kilombo Gavião, entre elas a da família de Misael: sua mãe Marivalda e seu pai Jair. 

Alface, couve, acelga, abóbora, berinjela, mandioca, feijão: são algumas das inúmeras espécies de hortaliças plantadas no kilombo, formando hortas com cores vibrantes e cheias de vida que mostram a diversidade existente nos territórios kilombolas do Vale do Ribeira e a preservação do meio ambiente. “A riqueza é a terra. E a gente é o bioma”, destacou Misael.

Ao caminharem pelas matas, morros e rios da comunidade, o grupo pode comprovar essa riqueza e diversidade. “Vou levar essa experiência pra sempre, eu vivi como é estar aqui. É muito bom estar aqui e melhor ainda poder levar a realidade das comunidades daqui para o sul”, afirmou Nilo Dias, do Kilombo Monjolo, de São Lourenço do Sul, que exaltou a forma como a comunidade conseguiu preservar a natureza e os seus costumes. 

Na última noite de intercâmbio, alguns alimentos cultivados na comunidade foram servidos junto a uma grande fogueira, com a presença das pessoas do kilombo, para uma troca cultural, que teve música e muita vivência compartilhada.

Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais

Nos dias 16 e 17, o grupo participou da Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, na cidade de Eldorado (SP). Em sua 15ª edição, a feira já é tradição no calendário cultural da região, reunindo diversas pessoas kilombolas de comitivas de outros municípios e estados, além do público geral, para compartilhar saberes e tratar das pautas de protagonismo e luta das comunidades kilombolas, como o direito ao território, racismo e cultura kilombola, além do manejo das roças tradicionais.

No primeiro dia, houve o seminário “Titulação de territórios quilombolas – pelo direito de semear o presente e o futuro” e as oficinas “Educação Quilombola – território de saberes” e “Emergência Climática e restauração ecológica – o que isso tem a ver com a gente?”. As atividades tiveram falas potentes de lideranças kilombolas sobre a importância do território e de se pensar a titulação para além dela, com a construção de políticas públicas para as comunidades, a ocupação dos espaços de educação e o quanto a sabedoria das pessoas mais velhas pode mudar o futuro diante da emergência climática.

Já no segundo dia, a Praça Nossa Senhora da Guia de Eldorado foi ocupada para a celebração e o encontro entre as pessoas kilombolas que realizaram a troca de sementes e mudas tradicionais e a venda de produtos agroecológicos cultivados nas comunidades e típicos da região, mostrando a diversidade produtiva das comunidades. Também houve diversas apresentações culturais, com muita música e dança.

As lideranças que estavam no intercâmbio expuseram suas sementes tradicionais na feira, além de artesanatos e publicações sobre as comunidades kilombolas da região Sul e do bioma Pampa produzidas pela FLD e Programa CAPA. Houve troca de muitas sementes com as pessoas kilombolas e o público que visitava o espaço. “Acho muito importante a gente fazer essa troca, porque vão ficar as nossas sementes aqui e elas vão ir para outros kilombos”, afirmou Vanuza da Silveira Machado, do Kilombo Vila Nova, de São José do Norte.

Assim como Vanuza, Joelita David Bittencourt, do Kilombo Rincão dos Negros, de Rio Pardo, ressaltou as trocas feitas. Trocas que, lembrou ela, também são de experiências e saberes. “Estou muito feliz de estar nesse espaço, fazendo essa troca de experiência com outro estado que não é o nosso. A gente traz o sul para São Paulo e leva pro sul muitas sementes daqui. É a importância das sementes tradicionais estarem rodando no nosso país”, disse.

Sobre o projeto 

O projeto Justiça Racial e Educação Antirracista no Bioma Pampa compreende 17 comunidades kilombolas localizadas em onze municípios do Rio Grande do Sul que fazem parte do bioma Pampa. Também integra o público do projeto crianças de escolas do entorno de comunidades kilombolas das cidades de Canguçu, Pelotas e São Lourenço do Sul, jovens vinculadas e vinculados à Juventude Evangélica da Igreja de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e integrantes da equipe da FLD.

O projeto busca contribuir para que mulheres kilombolas se apropriem dos aspectos que envolvem a questão histórica do povo negro no Brasil, as leis que amparam a comunidade negra e se reconheçam como sujeitas das suas próprias histórias e tomem consciência da sua condição de mulher negra kilombola, lutando na busca por seus direitos. Dessa forma, o projeto incide para que elas se reconheçam como lideranças de coletivos e de suas comunidades e possam, a partir disso, dialogar com a comunidade escolar e igreja luterana a respeito da diversidade intercultural e reconhecimento da identidade étnico-racial, ampliando o diálogo para a superação do racismo.

eskort mersin - eskort adana - takipcimx 1000 - instagram free followers - deneme bonusu veren siteler - gizli hesap görme - Twitch viewer bots - Betnano giriş