A Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) do Paraná, em sua reunião de abril, elaborou Nota Pública de repúdio a declarações racistas e xenófobas do deputado federal Jair Bolsonaro, referente aos quilombolas. O Conselho de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA), que integra o conselho, divulga a nota – publicada abaixo, na íntegra:
NOTA PÚBLICA DE REPÚDIO DO CONSEA PARANÁ SOBRE DECLARAÇÕES RACISTAS E XENÓFOBAS DO DEPUTADO JAIR BOLSONARO, EM EVENTO NA SOCIEDADE HEBRAICA DO RIO DE JANEIRO
O CONSEA Paraná, por meio desta nota, vem tornar público veemente repúdio às declarações de cunho racista e xenófobo proferidas pelo deputado Jair Bolsonaro, em evento na Sociedade Hebraica, no dia 3 de abril, no Rio de Janeiro.
Temos conhecimento e apoiamos as inúmeras manifestações de repúdio quanto às atitudes desprezíveis e recorrentes deste deputado, na direção de ofensas à dignidade humana. Em apenas quatro linhas de relato das suas palavras proferidas, fica declarada extrema violação de direitos humanos, direcionada aos povos originários da sociedade brasileira.
“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles.” (…) “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”.(Jair Bolsonaro)
O artigo 5º da CF /88 propugna que “… todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza”. Diz ainda, no seu inciso III, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Ora, comparar seres humanos com animais pesados em arroba, ou considerá- los como meros procriadores, é degradante o suficiente para ser passível de incriminação a qualquer cidadão, tipificando crime de racismo, quanto mais em se tratando da figura de Deputado Federal.
Com esse manifesto, queremos ainda destacar que ao ofender desta forma estas cidadãs e cidadãos, o deputado propaga intenções nitidamente contrárias às conquistas sociais relativas ao direito humano e soberania alimentar no cenário da sociedade brasileira.
Destaca-se que políticas públicas voltadas para Povos e Comunidades Tradicionais representam uma temática recente no âmbito do Estado brasileiro. Seu marco referencial foi a Convenção 169 da OIT, ratificada em 1989 e se refere aos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo. Desde 2007 a agenda do governo federal incorporou a atenção a essas populações com a publicação do Decreto 6040 para a instituição da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos PCTs, num contexto de conquistas sociais relativas à promoção da igualdade racial.
No atual momento, a declaração do Deputado também corrobora, portanto, o desmonte destas políticas e o retrocesso de direitos sociais conquistados pela luta destes povos.
Relembramos que por definição os povos e comunidades tradicionais, a exemplo dos quilombolas, têm identidade por sua cultura diferenciada e seu autorreconhecimento, possuindo formas próprias de organização social. Também ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição.
Sendo assim, esses povos têm importante contribuição na produção de saberes próprios que compõem a diversidade da sociedade brasileira. Consideramos que ignorar e execrar esse patrimônio, conforme vociferado pelo referido deputado no evento da Sociedade Hebraica fere vertiginosamente os princípios da soberania e segurança alimentar ao descredenciar a herança cultural e laboral que construiu a nação brasileira, compondo um coletivo diverso de elementos identitários de nossa sociedade, dentre as quais, um legado de sistemas e modelos sustentáveis de produção e de práticas alimentares tradicionais.
Por fim, o deputado Jair Bolsonaro, de modo contumaz, personifica um ato ofensivo e vergonhoso que macula a honra de todo e qualquer cidadão brasileiro.
Roseli Pittner, presidente do CONSEA/PR
Curitiba, 11 de abril de 2017